O Livretu é um...

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Porto Alegre, RS, Brazil
Blog dedicado à livre literatura. Poemas, contos, crônicas, músicas, palavras ao vento... e o que te fizeres viajar pela imaginação. O LIVRETU é livre, e surgiu da idéia de alguns amigos dividirem suas produções, delírios, sonhos, alegrias e letras. Envia tuas composições também! Faça parte dessa grande esfera literária. É livre. E como fala nosso grande Drummond: Se procurar bem você acaba encontrando. Não a explicação (duvidosa) da vida, Mas a poesia (inexplicável) da vida. Envia para livre_tu@hotmail.com tuas idéias. O blog já fez 2 anos e comemora com uma mini-edição impressa e uma confraternização de artes, o ORGIARTE, ambos indo para a sétima edição.

domingo, 31 de janeiro de 2010

O dilema de Karin: pensar antes de pensar

"Bom, lá vai ele."
Disse ela, ao teclar mais uma vez o mouse e se deliciar em suas fantasias virtuais.
Mas realmente era verdade.
Nada como o sarau para inspirar uma escrita, para pôr pra fora o que, na verdade, nem existia, e nem mesmo queria sair.
Um amontoado de palavras, linhas, alucinações, vacilos, e eis o texto, textinho, textículo.
De que posso falar?
Bom, falar sobre o que eu poderia falar já é algo, mas posso dar outra banda.
Agora mesmo, por incrível que pareça, por força da natureza, no fundo da casa, dava para ver o sol brilhando, o céu azul, o verão em pessoa.
Mas do outro lado, na frente da casa, escutava-se trovoadas, via-se nuvens escuras, babava água.
Logo pensei (como aquele cara que não pensa antes de ter alguma idéia), até nem sei se isso é possível - poder dar uma pensadinha antes de formular o próprio pensamento, pensar antes de pensar, realmente, esta é uma questão sem sentido e não vai ocupar mais nem um lugar nesta folha.
Retomando, logo pensei: "é a força da natureza". Mas não achei suficiente e num momento de revolta disse: "é o capitalismo, a indústria, a degradação da raça humana". E em seguida percebi que não era nem uma coisa nem outra. E que em nenhum momento tinha pensado todas essas coisas. Tudo isso era apenas a minha necessidade de escrever algo, de mostrar para meus amigos, com o intuito de ser um pouquinho mais feliz.
Bobagens, isso tudo é um monte de bobagem e no fim a falta de assunto virou o próprio assunto.
Fellini 8 e 1/2? Mais ou menos isso.
"Deu amor?", diz ela após fechar a janela (do site).
Deu, querida.

Bruno Arámburu

sábado, 30 de janeiro de 2010

A casa é sua

Um vazio me invade
Procuro o que não quero
Sonho com o que não sou
Por onde será que ando?
E quantos passos!
Quantos passos... Pra onde?
Aonde isso vai?
Pra onde vais?
Queres me levar, clara manhã...
mas tua face é tão claramente imprecisa
quanto a madrugada que me habita
Cheiras a madrugada... e então me levas
a percorrer traços leves de infinito
Mas não posso ir
Sem ter de me carregar
Sem ter de carregar o peso de mim...
das minhas verdades!
Sem ter de carregar os sonhos
de tantas mentiras
Serão sonhos?
Sonhos são!
Não... Já não posso te disfarçar
nos sonhos
ou em versos
já não posso ir a nenhum lugar
antes de te deixar entrar...
Solidão!
Bem-vinda!
A casa é sua.

Ludmila Flores

sábado, 23 de janeiro de 2010

Veinte poemas de amor y una canción desesperada

"...Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero.
Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido.

Porque en noches como ésta la tuve entre mis brazos,
mi alma no se contenta con haberla perdido.

Aunque éste sea el último dolor qie ella me causa,
y éstos sean los últimos versos que yo le escribo..."


Pablo Neruda

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Ausência


Quero escrever-te o mais lindo poema esta noite

Mas as linhas do papel são tão poucas

E o meu amor de tão amplo transborda

Os seus quatro limites, insignificantes.


Depois o tinteiro que uso

É demasiado escuro

Para descrever as tuas cores

Enquanto sou vermelho queimando.


Deito-me visualizando na folha

Todos os teus traços

E respiro teu aroma no espaço

Posto que a alma assim necessita


Mas canso...


Quando percebo...


Que nem todos os poemas do mundo

Poderiam comparar-se

...À tua beleza infinita.

Morgana Rech

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Me falta inspiração

Para tanto tempo

Do novo ano



Me sobra amor

Para tanto individualismo alheio

Me sobra espaço

Para tanta ausência de seres

Me sobra ruas

Para inexistência de mesas compartilhadas



Me sobra samba

Para tanta desilusão engarrafada



Me falta paciência

Para tanta insistência do mundo

Em me deixar atônita

Sem par

Sem ar



Um ano novo

Com expectativas repetidas

Desejos renovados

Normas velhas

Regras estranhas

E vida antiga



2010 novo

2009 passado

20 e poucos anos

2000 e vários sonhos

Mas espero o nosso mais novo despertar!

Que venham os esperados 365 dias de Iemanjá!



K.L.M.

domingo, 17 de janeiro de 2010

PÔR DO SOL

ONDE ESTÁS? A ALMA ANOITECE-ME BÊBADA
DE TODAS AS TUAS DELÍCIAS; UM MOMENTO
ESCUTEI O SOL, AMORÁVEL ADOLESCENTE,
TIRAR DAS LIRAS CELESTES AS NOTAS DE OURO DO SEU CANTO DA NOITE.

ECOAVAM AO REDOR OS BOSQUES E AS COLINAS,
ELE NO ENTANTO JÁ IA LONGE, LEVANDO A LUZ
A GENTES MAIS DEVOTAS
QUE O HONRAM AINDA.

(TRADUÇÃO:MANUEL BANDEIRA)

FRIEDERICH HOLDERLIN

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

O peixe , vulgo "Minha Vó"

O peixe quer nadar
o nadador pega a isca
A isca fisga o peixe
e o peixe ainda quer nadar

Meu amigo foi pra Angra
mas viveu no Haiti
Minha Vó gosta de sorvete
com sabor de abacaxi

Pessoas vão as ruas
e protestam em restaurantes
Com costelas de porco nuas
e seus garfos delirantes

Crianças dançam cumbia
abraçadas em tubarões
Minha Vó já tem mais de noventa
mas não brinca com leões

Minha Vó come sorvete
com sabor de chocolate
E antes que eu me esqueça
vou remar no meu iate

Sei que não mereço
o troféu da rima do dia
Mas duvido que me levem
o quesito fantasia!

José, meu amigo, suicidou-se
Carlinhos chiripa casou-se
Pelé, nosso craque, naufragou
Maria Marmelada, por um queijo, chorou

Chapado quer comida
para seu filho e sua filha
Banana quer sombra
para regar a orta na ilha

Vamos superar toda essa balela
e começar a falar sério
De pá, de ponei e de bolo
vamos desvendar todo mistério

E pra não sair à francesa
com toda essa beleza
Me vou como me vim
sem rodeio e sem carpim

Se pra acabar com a história
preciso falar Russo
Minha vó toma licor de uva
para passar o soluço

Até a próxima meu galo
Vou deixar correr a linha
E comer um porco assado
ou quem sabe minha galinha

E o peixe, onde anda?
onde anda esse mesquinha?
O peixe foi embora
com a netinha da vizinha.

Pépe Arámburu

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Exílio

Esta mania de me saber anjo,
sem idade,
sem morte para a qual viver,
sem piedade por meu nome
nem por meus ossos que choram vagando

E quem não tem um amor?
E quem não goza por entre amapolas?
E quem não possui um fogo, uma morte,
um medo, algo horrível,
ainda que fira com plumas,
ainda que fira com sorrisos?

Sinistro delírio amar uma sombra.
A sombra não morre.
E meu amor
só abraça ao que flui
como lava do inferno:
una loja calada,
fantasmas em doce ereção,
sacerdotes de espuma,
e sobretudo anjos,
anjos belos como lâminas
que se elevam na noite
e devastam a esperança.


Alejandra Pizarnik


segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Eu estou sempre com a mesma fome que você

Talvez essa seja nossa última conversa, você vai morrer daqui há pouco, talvez antes de sua mãe, não é uma provocação, não te desafio, entenda isso. O que tanto quisestes me dizer, neste tempo todo, nas tantas marcas que deixou, todas surpresas que fez, todas vezes que te procurei, talvez sejas, realmente, minha mais profunda companheira; mas não quero mais que venhas.Não sei porque insisto tanto em te querer, se você sempre faz de mim o que bem quer, se ao teu lado sei tão pouco de você, é pelos outros que eu sei quem você é, eu sei de tudo, com quem andas, aonde vais... É uma loucura, quando entro em contato contigo, mesmo assim a distância, ... eu recebo teu abraço, ... me enganando, só assim somos amigos... é uma loucura, também me dá raiva te querer e aliás acho que fazes parte da raiva que existe em mim, mas agora, não me falta mais coragem pra dizer que nunca mais, ... no mesmo instante em que teu corpo toca ao meu... não existe mesmo certo e errado e te abandono não por brigas birras mas pelo cigarro que resolvi fumar sozinho, pelo amor que sinto por ti e por mim mesmo, pela adultez de minha vontade, é uma carta de despedida, flor, talvez nos vejamos na eternidade dos abraços, mas será, definitivamente, diferente. Já não sei se estou sonhando agora, pode ser que sim, pode ser que eu acorde quando cerrar os olhos e ferrar no sono. Meu castelo de areia, minha gaivota de uma asa, minha planície do chile que eu corri nu entre as margaridas, não és minha. Me culpo e me debato por parecer romântico, és privilegiada, assim como tua mãe. Vai lá, vai lá beijar a testa da tua mãe antes que tu ou ela morram, não não vai, deixa que ela morra sem tua presença martirizando o resto dos dias dela, a menos que, sensitiva como tu é, percebas que ela te chama, mas por favor, deixa tua sombra de lado. É isso, as coisas são mesmo importantes de serem vistas como luz e sombra, e acho que podes mesmo ter uma enorme sombra, é como aquilo que não queremos ver, tu tem isso, não há como negar. Mas tá, dancemos um pouco, está tudo bem, não quero jogar a vida fora, vem cá, esquece, nos temos um ao outro, mas não quero, tenho medo, tanto tempo juntos, você ali estava quando causei a bênção dolorosa saindo de minha mãe, e ...,Espelho flores e falos, a vida se recontorce embebida em sangue, entre adão e eva e maçã a árvore me pareceu mais importante. Sabes que muitas vezes sou dado a floreios, e que tu mesmo, sendo uma flor de espinho, mereces esse mel que de tão doce enoja.
Acho que o desabafo está acabando, mas a carta não. Acho que agora posso te falar mais calmamente,a lua vai minguar logo mais à noite..Sinto meus dentes levemente pressionados uns contra os outros, acho que minha raiva em alguns momentos fazem parte integrante de minha inteireza. Talvez sempre, mas a quantidade varia, é como cachaça, e eu sou bebum, é isso? estar perdido é só uma sensação. Mas como assim só uma sensação?, a sensação não é um monstro vez em quando? Sim, mas é só uma sensação, de qualquer maneira. Como assim, só?nesses dias, me senti muito frágil; foi lindo, me senti uma plantinha miúda recém nascida, era muito forte ser frágil daquele jeito, logo passou, eu chorei muito por estar vivo, senti uma coisa no peito, espero que todo mundo sinta isso um dia, é maravilhoso, e chorar sem tua companhia foi, mesmo, maravilhoso. não mais minha mas ainda flor de cactos.
Eu sim, sempre serei teu;


O Pelicano.

sábado, 9 de janeiro de 2010

(..) Ah detritos, mas tudo isso é inútil e bem sei de como tenho tentado me alimentar dessa casca suja que chamamos com fome e pena de pequenas-esperanças, enquanto definho feito um animal alimentado apenas com água, uma água rala e pouca (...) lentamente afio as pedras e as facas do fundo das minhas pupilas, para que a noite não me encontre outra vez insone, recompondo sozinho um por um dos teus traços, para que quando esses teus olhos escuros e parados como as águas do mar de inverno na praia onde talvez caminhe ainda, que seu fio esteja tão aguçado que possa rasgar-te até o fundo, para que te arrastes nesse chão, sangrando e gemendo, a implorar de mim aquele mesmo gesto que nunca fizeste, e nem mesmo sei exatamente qual seria, mas que nos arrancasse brusco e definitivo dessa mentira gentil onde não sei se deliberados ou casuais afundamos pouco a pouco,bêbados como moscas sobre açúcar, melados de nossa própria cínica doçura acovardada, contaminados por nossa falsa pureza, encharcados de palavras e literatura (...) enquanto me apunhalas com lenta delicadeza deixando claro em cada promessa que jamais será cumprida, que nada devo esperar além dessa máscara colorida, e passo a passo afundo nesse charco que não sei se é o grande conhecimento e nós ou o imenso engano de ti e de mim, nos afastamos depois cautelosos ao entardecer, e na solidão de cada um sei que tecemos lentos nossa próxima mentira,tão bem urdida que na manhã seguinte será como verdade pura e sorriremos amenos, desviando os olhos, corriqueiros, à medida que o dia avança estruturando milímetro a milímetro uma harmonia que só desabará levemente, os vermes roendo os porões que insistimos em manter indevassáveis, até que o não-feito acumulado durante todo esse tempo cresça feito célula cancerosa para quem sabe explodir em feridas visíveis indisfarçáveis, flores de um louco vermelho na superfície da pele que recusamos tocar por nojo ou covardia ou paixão tão endemoninhada que não suportaria a água benta de seu próprio batismo.


CAIO FERNANDO ABREU, À BEIRA DO MAR ABERTO

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

...Então, Idalina. O que vais escrever? Jamais se pergunte antes de começar a fazê-lo, depois se vê, ok? Às vezes, tudo bem, uma carta, um infinito de paixão, alguém assim que um dia vai embora e deixa sua presença tão forte ou mais que quando estava de corpo. Aí tudo bem, entendo-te, romântica. Acho que há um destes em mim, acho mesmo. Talvez queiramos inventar sentimentos e sensações, como tomar o Martini com pimenta, entende? A vida passa, passa, mais um ano, calendário romano, e nós novamente só trocamos de roupas. Ida, apronte-se e continue, espero que a estrada venha sempre até você e o vento esteja sempre a seu favor, sempre não, às vezes contra, pra que teu cabelo não lhe incomode o rosto. Ida, um dia terás que Voltar. Sei que não gosta destas brincadeiras, mas estou batalhando por meu senso de humor, estou mesmo. Também não queria ser perfeito, a perfeição me dá nojo. Sabe, não adianta tentar esconder o que a gente sente da gente mesmo, a gente sente e pronto, é muito mais rápido que qualquer outra coisa. ‘Art Blakey e Os Mensageiros do Jazz.’ Apenas para que saiba o que escuto agora. Quando puderes Voltar, diga-me o que você está escutando... Não me olhe assim, viva mesmo como se estivesse sozinha no meio de um monte de gente. Não sei, não me escute, não sei por que, toque guitarra, olha eu dizendo de novo, foda-se, esqueça, não esqueça, lembre-se, vá com ele ou vá sozinha, solidão é alguma coisa que não sei apalpar, pois é. Sei que está tudo na palma da mão, a cigana me falou. E só por ouvir essa palavra eu já me encho de êxtase; ci ga no. Parece-me indomável. Acho lindo. Quis mesmo experimentar todas as coisas, estar lá pra ver, coisa de imaturo, sabe? Mas é isso mesmo, pelo menos sabia que não estava me enganando. Ou estava me enganando sabendo disso, o que se equipara. Meu bem, eu não sei mais, queria que você também não soubesse(...) É dia e já parece noite, o vento grita e os trovões também, a chuva, não haveria como me despedir de você sem que chovesse, em algum momento. Lá numa caverna pedreira do Afeganistão deve haver alguém com a mesma impressão digital que eu. Procuro sempre acreditar nisso, pra viver em sociedade. Entenda o que quiser, foda-se. Está chovendo, meu bem! Ia mesmo acabar com essa coisa toda e te ligar, telefone, sabe, aquela coisa maluca que inventamos, mas faltou carga para o telefone, porque ele é moderno, sabe, não tem fio. Quanto mais complexo mais perto do colapso. Não que já não estejamos nos comunicando e como se você pudesse receber esta carta em qualquer momento que não a hora certa, quando estiver realmente pronta pra ouvir, tudo isso. Uma bomba de água, vou lá colocar a cabeça pra fora da janela, cê me espera? Tive que gritar, agradecer pelo ano e por meus passos, estava no momento, era a chuva. Você não vai sentir bem exatamente o que senti. Então eu entrei, me sequei um pouco, e voltei pra lhe dizer. Estava tão feliz, mas estava sozinho, mas não me sentia só, e alguma coisa doída queria que eu me sentisse só, então vim lhe contar, como se estivesse. No meio disto, você me ligou, você, com uma de suas facetas. Foi rápido, não dissemos tudo que queríamos. O telefone carregou um pouco, em seguida pretendo ligar pra outra você, breve em logo, com esta então acho que consigo falar. Miado de gato; a cor do som; esquizofrenia controlada; queria chamar-lhe de tu e não de você. Mas comecei falando dos avessos, os piratas, anti-heróis, vagabundos, malandros, qualquer um que desafiava a ordem vigente, mostrando a capacidade criativa do caos, o movimento, não-estagnação, chuva, tudo isso. Então chega, lembrei disso só pra dar um caráter cíclico para o que eu escrevo... Se sente honrada por eu lhe contar um segredo? Você bem sabe disto melhor que eu, o círculo, bla bla bla. Mas então, na verdade tudo isso é só verdade, e a gente sabe. Coloca a máscara pra significar de verdade, pra ter alguma coisa por trás, porque temos a necessidade de ver algo por trás. Rasgamos a pele de alguém que apareça desmascarado, pra ver o que sua “mascara” esconde, então não saia na rua sem ela, nem ameaça escrever sem ela. Ou escreve e não mostra pra ninguém, porque ninguém vai entender e vão te atazanar a vida. Tenta viver em paz, é isso que você pode fazer.

Alessandro Rivellino
-"Trechos de Correspondência Piá"

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

POEMA DE AMOR SOBRE UM TEMA DE WHITMAN

Entrarei silencioso no quarto de dormir e me deitarei
entre noivo e noiva,
esses corpos caídos do céu esperando nus em sobressalto,
braços pousados sobre os olhos na escuridão,
afundarei minha cara em seus ombros e seios, respirarei tua pele
e acariciarei e beijarei a nuca e a boca e mostrarei seu traseiro,
pernas erguidas e dobradas para receber,
caralho atormentado na escuridão, atacando,
levantado do buraco até a cabeça pulsante,
corpos entrelaçados nus e tremulos,
coxas quentes e nádegas enfiadas uma nas outra,
e os olhos, os olhos cintilando encantadores,
abrindo-se em olhares e abandono,
e os gemidos do movimento, vozes, mãos no ar, mãos entre as coxas,
mãos, na umidade de macios quadris, palpitante contração de ventres
até que o branco venha jorrar no turbilhão dos lençóis
e a noiva grite pedindo perdão
e o noivo se cubra de lágrimas de paixão e compaixão
e eu me erga da cama saciado de últimos gestos íntimos
e beijos de adeus-
tudo isso antes que a mente desperte,
atrás das cortinas e portas fechadas da casa escurecida
cujos habitantes perambulam insatisfeitos pela noite,
fanstamas desnudos buscando-se no silencio.

Allen Ginsberg